Notícias sobre o Congresso Internacional sobre o Fígado 2015

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Agradecemos à associação GAT pela sua tradução.

Esta edição do boletim infohep.org é dedicada às notícias do Congresso Internacional sobre o Fígado 2015, a 50ª reunião anual da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), que decorreu nos dias 22 a 26 abril, em Viena, na Áustria.

Neste congresso, a maioria das novas investigações importantes sobre os antivirais de ação direta para o tratamento da hepatite C incidiu sobre a eficácia e segurança de regimes livres de interferão em populações-chave. Anteriormente, estas populações-chave eram consideradas difíceis de curar, sendo usado tratamentos com base em interferão. As investigações apresentadas durante o Congresso Internacional sobre o Fígado 2015 mostraram que o tratamento livre de interferão tem o potencial de curar a hepatite C num elevado número de populações, muitas das quais com urgência em receber tratamento.

Hepatite C em populações-chave: doença renal crónica

A hepatite C aumenta o risco de doença renal crónica, apesar dos mecanismos em que o vírus causa danos nos rins serem ainda pouco claros. As pessoas que vivem com hepatite C enfrentam um avanço de doença renal mais rápido quando a função renal entra em declínio e têm maior probabilidade de terem como consequência a dialise e transplante renal precoce, em relação às pessoas apenas com problemas renais. As pessoas que vivem com hepatite C têm também risco aumentado de desenvolver novos casos de diabetes após desenvolverem doença renal.

Se o transplante renal é necessário, as pessoas com hepatite C têm maior risco de rejeição (também conhecida como falência d enxerto) e menor probabilidade de sobrevivência após o transplante. Mas o transplante continuará fora do alcance de muitas pessoas com hepatite C com doença renal grave. Uma menor probabilidade de sobrevivência entre os recetores de transplantes com hepatite C significa que as pessoas com esta infeção têm uma baixa prioridade para órgãos transplantados. 

Por todas estas razões, curar a hepatite C é uma parte essencial na gestão eficaz da doença renal crónica para as pessoas portadoras do vírus. Porém, os tratamentos disponíveis têm sido inadequados para as pessoas com doença renal.  

Dois estudos apresentados durante o Congresso Internacional sobre o Fígado demonstraram que o tratamento com antivirais de ação direta pode curar a elevada proporção de pessoas com doença renal avançada, incluindo pessoas que precisam de fazer o tratamento de dialise.

A combinação do regime diário de um comprimido de grazoprevir e elbasvir curou a hepatite C em 99% das pessoas com doença renal crónica no estudo C-SURFER. Este estudo recrutou 122 pessoas com estadios 3 e 4 de doença renal crónica que receberam de imediato o tratamento e 113 que tiveram o tratamento diferido. Três quartos eram dependentes de diálise. O grazoprevir (o inibidor da protease NS3/4) e o elbasvir (o inibidor NS5A) estão a ser desenvolvidos pela farmacêutica Merck. A combinação está a ser estudada para um regime de toma única de um comprimido diário, com ou sem ribavirina. Os dois fármacos são ativos contra os múltiplos genótipos da hepatite C. O estudo, até à data, é o maior em pessoas com doença renal avançada.

O estudo de coorte de doentes nos Estados Unidos da América demonstrou que uma terapêutica baseada no antiviral de ação direta para a hepatite C, o sofosbuvir, pode ser usada eficazmente e com segurança em pessoas com doença renal avançada, incluindo pessoas com tratamento de diálise. O estudo coorte internacional HCV-TARGET documentou a resposta de regimes baseados no sofosbuvir em pessoas com diferentes estadios de doença renal, incluindo 19 pessoas com estadios 4 ou 5 de doença renal crónica. O estudo concluiu que entre 80% a 100% das pessoas com doença renal avançada curaram a hepatite C, dependente do regime usado.

Tratamento em doentes experimentados

As pessoas com hepatite C que não responderam ao tratamento anterior com antivirais de ação direta podem ter maior dificuldade em curar, quer devido à presença de resistência ao medicamento quer devido a fatores do hospedeiro, tais como danos no fígado (ver cirrose descompensada avançada ou doentes transplantados abaixo). Vários estudos com combinações sem interferão apresentados durante o Congresso Internacional sobre a Saúde do Fígado demonstraram que os novos regimes podem ser altamente eficazes neste grupo de doentes. Os estudos também forneceram alguma informação sobre quais os doentes que poderão necessitar de ribavirina para atingir a cura.

O estudo C-EDGE sobre a combinação de grazoprevir e elbasvir da Merck em pessoas que vivem com hepatite C e com genótipos 1, 4 e 6 demonstrou que:

  • Em pessoas que não tinham conseguido atingir a cura com interferão peguilado e ribavirina, 92 – 97% de todos os doentes estavam curados após 12 ou 16 semanas de grazoprevir e elbasvir, com ou sem ribavirina;
  • Pessoas que obtiveram anteriormente respostas nulas ou parciais ao tratamento tinham uma taxa de cura mais elevada quando receberam ribavirina e estavam tratadas após 16 semanas;
  • O mesmo ocorreu em pessoas com cirrose.

Dr. Xavier Forns da Hospital Clinic, Barcelona, apresenta os resultados do estudo C-SALVAGE. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

O estudo C-SURFER sobre a combinação da Merck de grazoprevir e elbasvir, mais ribavirina, em pessoas com genótipo 1 para a hepatite C, demonstrou que:

  • Em pessoas que não tinham conseguido atingir a cura após um tratamento antiviral prévio com interferão peguilado e telaprevir ou boceprevir ou simeprevir, 95% dos doentes estavam curados após 12 semanas de tratamento;
  • As mutações de resistência ao inibidor de protease de base não afetaram a resposta.

Um estudo de retratamento com pessoas que não conseguiram atingir a cura após 8 ou 12 semanas de sofosbuvir/ledipasvir (Harvoni®) demonstrou que:

  • Um tratamento de 24 semanas do mesmo regime curou 70% dos doentes;
  • As mutações de base associadas à resistência aos NS5A afetaram a resposta;
  • Uma maior duração do tratamento anterior reduziu a probabilidade de cura.

Cirrose descompensada, cirrose avançada e transplantes

As pessoas com doença hepática muito avançada tiveram até agora menos opções de tratamento para a hepatite C e as respostas ao tratamento foram muito fracas quando este é tentado com cirrose descompensada.

As pessoas com uma classificação de Child-Pugh de classe B têm uma função hepática significativamente debilitada e estão em maior risco de progressão para cirrose descompensada.

Quatro grandes estudos apresentaram resultados sobre a performance de combinações antivirais de ação direta em pessoas com doença hepática avançada, quer Child-Pugh B ou doença hepática descompensada.

Dra. Ira Jacobson da Weill-Cornell Medical College apresentando os resultados do estudo C-SALT. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

O ensaio C-SALT com grazoprevir e elbasvir demonstrou que um período de tratamento de 12 semanas com os dois antivirais de ação direta curou a infeção pela hepatite C em 90% das pessoas com genótipos 1, 4 e 6. As respostas foram melhores em pessoas com classificações menores de Child-Pugh (<7). Os participantes neste estudo não receberam ribavirina.

Fred Poordad do University of Texas Health Science Center, apresentando os resultados do estudo ALLY-1 study. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

De acordo com as conclusões do ensaio ALLY-1, um regime livre de interferão com sofosbuvir, daclatasvir e ribavirina ao longo de 12 semanas produziu taxas de resposta sustentada de 83% em pessoas a viver com hepatite C com cirrose avançada e de 94% em pessoas que tinham recebido transplantes hepáticos, com taxas de cura semelhantes em todas as pessoas com o genótipo 3 para o VHC difícil de tratar.

Professor Rajender Reddy da University of Pennsylvania apresenta o estudo HCV-TARGET no Congresso Internacional sobre o Fígado 2015. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

Dois estudos de coorte de grandes dimensões também demonstraram que o tratamento baseado em sofosbuvir e livre de interferão tinham o potencial de curar a maioria das pessoas com cirrose descompensada, embora as taxas de cura fossem inferiores às do estudo C-SALT. Tal, deve-se provavelmente ao facto de estes estudos de coorte com condições reais tratarem doentes com cirrose mais grave (três quartos do estudo HCV TARGET e 90% da coorte inglesa de acesso alargado tinham cirrose descompensada). Estes estudos demonstraram que os danos hepáticos mais graves não afetaram a resposta ao tratamento, mas que os doentes mais velhos (> 65 anos) e aqueles com níveis mais baixos de albumina tinham maior probabilidade de sofrer efeitos secundários graves, tal como o agravamento da doença hepática. Em ambas as coortes, as taxas de resposta em pessoas com genótipo 3 eram mais baixas (39% no HCV TARGET e entre 43% e 71% de acordo com o regime da coorte inglesa).

Houve pouca informação sobre a melhoria ou agravamento da cirrose nos ensaios clínicos, e ainda não é certo até que ponto o tratamento em pessoas com cirrose avançada reduz a necessidade de um transplante hepático ou o risco de descompensação. No entanto, os estudos de coorte demonstraram melhorias na função hepática numa proporção substancial de doentes.

Um desafio para estudos futuros será identificar o “ponto de não retorno” nestas pessoas muito doentes, onde o transplante hepático poderá ser uma melhor opção que o tratamento antiviral imediato.

Genótipo 3

Graham Foster do Queen Mary's University of London apresentando os resultados do estudo BOSON. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

O genótipo 3 da hepatite C continua a ser mais difícil de tratar com os antivirais de ação direta que os outros genótipos. O estudo BOSON comparou quer 16 ou 24 semanas de sofosbuvir e ribavirina a um tratamento de 12 semanas de sofosbuvir e ribavirina com interferão peguilado em genótipos 2 e 3. Uma grande proporção da população estava em risco elevado de ter uma má resposta ao tratamento: cerca de metade tinha sido não respondedor anteriormente, certa de um terço tinha cirrose e dois terços tinham variantes desfavoráveis do gene IL28B associadas a uma má resposta ao interferão. O estudo demonstrou que regimes com interferão são mais eficazes com o genótipo 3, sobretudo em pessoas com cirrose (91% de cura). Todos os regimes foram igualmente eficazes com o genótipo 2.

Pessoas naïve para o tratamento

Um período de 12 semanas com a combinação de grazoprevir e elbasvir curou 95% das pessoas com genótipos 1, 4 e 6 da infeção pela hepatite C não tratadas anteriormente, de acordo com os resultados do ensaio C-EDGE. O comprimido de combinação de grazoprevir/elbasvir será submetido brevemente a aprovação regulamentar nos Estados Unidos da América, Europa e outros países e poderá estar aprovado até ao final de 2015. Será a terceira combinação exclusivamente oral e livre de interferão a ser comercializada exclusivamente por uma farmacêutica.

Linhas orientadoras da EASL sobre tratamento para a hepatite C

Jean-Michel Pawlotsky numa apresentação no Congresso Internacional sobre o Fígado. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com

A Associação para o Estudo do Fígado (EASL) lançou novas recomendações para o tratamento no Congresso Internacional sobre a Saúde do Fígado. Enfatizaram a importância de se dar prioridade a alguns grupos devido a um risco mais elevado de progressão da doença hepática. Os peritos que apresentaram estas orientações afirmaram que isto seria uma realidade em muitos países europeus até baixarem os custos dos medicamentos.

O tratamento é prioritário para pessoas com fibrose avançada ou cirrose (Metavir fase F3 – F4), incluindo pessoas com cirrose descompensada, que continuariam a beneficiar bastante com o tratamento.

Outros grupos prioritários incluem pessoas que vivem com coinfeção pelo VIH ou hepatite B (VHB), pessoas à espera ou que já receberam um transplante hepático, pessoas com manifestações extra-hepáticas clinicamente significativas e aqueles com fadiga debilitante.

As linhas orientadoras recomendam tratamento livre de interferão sempre que possível.

Estão incluídos nas novas orientações os seguintes regimes, bem como os genótipos para os quais são indicados:

Regimes livres de interferão:

  • Sofosbuvir + ribavirina: genótipos 2 e 3
  • Sofosbuvir/ledipasvir +/- ribavirina: genótipos 1, 4, 5 e 6
  • Paritaprevir/ritonavir/ombitasvir + dasabuvir +/- ribavirina: genótipo 1
  • Sofosbuvir + simeprevir +/- ribavirina: genótipos 1 e 4
  • Sofosbuvir + daclatasvir +/- ribavirina: todos os genótipos
  • Paritaprevir/ritonavir/ombitasvir +/- ribavirina: genótipo 4

Regimes com interferão:

  • Interferão peguilado alfa-2a + ribavirina + sofosbuvir: todos os genótipos
  • Interferão peguilado alfa-2a + ribavirina + simeprevir: genótipos 1 e 4

A duração padrão do tratamento livre de interferão é geralmente de 12 semanas. Algumas pessoas com genótipo 1 e sem cirrose podem tomar sofosbuvir/ledipasvir por apenas 8 semanas sem ribavirina. Pessoas com genótipo 1 que têm cirrose devem adicionar ribavirina ou prolongar o tratamento para 24 semanas. Embora o VHC subtipo 1a seja considerado mais difícil de tratar que o 1b, as recomendações de tratamento são geralmente semelhantes.

Em todos os genótipos, só são recomendados alguns regimes para pessoas com cirrose descompensada: sofosbuvir mais ribavirina (genótipos 2 e 3) e sofosbuvir ou com ledipasvir (genótipos 1, 4, 5 e 6) ou daclatasvir (todos os genótipos).

Quando tratar e danos hepáticos em pessoas não diagnosticadas

Embora as linhas orientadoras europeias para o tratamento deem prioridade às pessoas com danos hepáticos avançados, uma análise de pessoas a receber tratamento para a hepatite C através do sistema de saúde dos E.U.A. para veteranos de guerra – aproximadamente 187 000 veteranos diagnosticados com hepatite C entre 1999 e 2010 – encontrou uma associação muito forte entre o tratamento tardio e um maior risco de doença e morte. Este estudo analisou pessoas tratadas com interferão peguilado e ribavirina, que é menos eficaz em pessoas com cirrose, pelo que não é surpreendente perceber que as pessoas com cirrose obtiveram piores resultados apesar do tratamento. Contudo, o estudo também concluiu que as pessoas com cirrose que foram curadas tinham um pior prognóstico a longo prazo que as pessoas que iniciaram o tratamento com danos hepáticos menos graves.

Um outro estudo dos E.U.A. concluiu que aproximadamente uma em cinco pessoas com hepatite C nos Estados Unidos e que desconhecem viver com a infeção pode já ter danos hepáticos avançados e necessitar urgentemente de tratamento.

Álcool e doença hepática em pessoas com hepatite C

Um estudo francês com todas as pessoas admitidas em hospitais do país entre 2008 e 2012 concluiu que uma elevada proporção de episódios clínicos e mortes associadas ao fígado em pessoas com hepatite C podiam ser atribuídas ao álcool ou à presença de outras comorbilidades graves, como doença hepática. Um elevado consumo de álcool era muito predominante entre pessoas com hepatite C admitidas em hospital.

Por outro lado, apenas 14% dos episódios relacionados com o fígado em doentes hospitalares com hepatite C ocorreram em pessoas sem elevados consumos de álcool ou com comorbilidades graves.