Notícias da Reunião Sobre o Fígado 2015, São Francisco

O boletim mensal de notícias sobre hepatite do infohep.org geralmente só está disponível em inglês. Gostaríamos de o disponibilizar noutros idiomas e traduzimos esta edição das notícias da conferência para francês, português, russo e espanhol. Está a receber este boletim por anteriormente ter expresso interesse na tradução do boletim do infohep.org. Divulgue-o por favor entre os seus contactos. Os novos subscritores podem fazê-lo gratuitamente no nosso website ou contactar-nos para mais informações em info@infohep.org.

Muito obrigado ao GAT pela tradução.

Esta edição do boletim do infohep.org é dedicada às notícias da Reunião Sobre o Fígado, organizada pela American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD), que teve lugar de 13 a 17 de novembro, em São Francisco, E.U.A.

Acesso ao tratamento para a infeção pela hepatite C nos Estados Unidos: médicos e governo federal pedem maior acesso

Na sua Reunião Sobre o Fígado anual, a American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) alertou para o facto de muitas companhias de seguros estarem a negar o tratamento a muitas pessoas que vivem com o vírus da hepatite C (VHC), sem que existam evidências médicas que justifiquem essas decisões.

Um número cada vez maior de investigações científicas salientam a importância de um tratamento atempado, demonstrando que os benefícios da cura da infeção pela hepatite C são maiores se esta ocorrer antes de se desenvolver doença hepática avançada.

As orientações recentes da AASLD recomendam o tratamento precoce da infeção pela hepatite C, antes de ocorrem danos hepáticos avançados. “O tratamento para o VHC que conduz à cura da infeção é a única intervenção baseada na evidência que pode prevenir a progressão da doença hepática”, afirmou a AASLD numa declaração apresentada na conferência. “Uma proporção significativa das pessoas que vivem com VHC que não têm fibrose ou a têm em grau moderado (geralmente descritos como F0 a F2) irá progredir para cirrose se não fizer o tratamento. Não existe atualmente nenhuma forma de prever quem irá desenvolver doença hepática avançada”.

A agência federal responsável pela definição de padrões para o programa de seguros Medicaid, destinado a pessoas com baixos rendimentos (Centers for Medicare & Medicaid Servies) informou os programas estaduais da Medicaid que é esperado que estes cubram as novas terapêuticas para a infeção pela hepatite C livres de interferão sem restrições indevidas. A agência escreveu também às empresas farmacêuticas que produzem estes novos medicamentos, pedindo informações sobre acordos de compra que garantam um maior acesso ao tratamento.

Uma análise das prescrições de tratamento para a infeção pela hepatite C numa cadeia de farmácias representada em quatro estados dos E.U.A. apresentada na Reunião Sobre o Fígado demonstrou que quase metade dos doentes com seguro da Medicais viram recusadas as suas prescrições, sendo que um num elevado número de casos a delegação estadual da Medicaid não informou os doentes de que não iriam financiar o tratamento, deixando-os em espera e sem ter como recorrer. O estudo concluiu que uma em cada seis pessoas com seguros privados ou seguro da Medicaid destinado a idosos e a pessoas com deficiências viram o seu pedido de reembolso recusado.

Resultados a longo prazo após tratamento da hepatite C: cancro hepático

Estudos apresentados na Reunião Sobre o Fígado demonstraram que é provável que a incidência de cancro do fígado e de cirrose causada pela infeção pela hepatite C continue a aumentar nos Estados Unidos, apesar do tratamento com maiores taxas de cura, e que as pessoas com cirrose no momento da cura da infeção irão necessitar de acompanhamento a longo prazo para vigiar o possível desenvolvimento de cancro do fígado.

Um estudo da base de dados do Veterans Affairs Hospitals analisou a forma como a cura da infeção pela hepatite C afetou o risco de se desenvolver cancro hepático. A conclusão foi que a cura reduz o risco de se desenvolver esse tipo de cancro em 64%, mas que não o eliminava. As pessoas com cirrose na altura da cura tinham uma probabilidade quatro vezes e meia maior de desenvolver cancro hepático que as pessoas sem cirrose, tal como as pessoas com mais de 65 anos se comparadas com aquelas com menos de 55 anos.

Um segundo estudo usou as tendências da população do Veterans Hospital para projetar o que aconteceria nos Estados Unidos. Os investigadores concluíram que a incidência da cirrose e do carcinoma hepatocelular irão provavelmente continuar a aumentar nos Estados Unidos até 2021, mesmo tendo em conta o impacto do tratamento.

Os investigadores de um terceiro estudo concluíram que a população de pessoas nos E.U.A. que vive com a infeção pela hepatite C e que tem cirrose aumentou de aproximadamente 170 000 no período entre 1988 e 1994 para 370 000 no período entre 2007 e 2012.

Os investigadores alertaram para o facto de que, devido à ausência de sintomas nas primeiras fases de cirrose, muitas pessoas podem desconhecer que vivem com hepatite e doença hepática avançada, e que os médicos devem estar particularmente atentos para o risco de cirrose em pessoas que vivem com hepatite C que são mais velhas, que têm diabetes e que têm um elevado índice de massa corporal.

Estas conclusões enfatizam a importância do diagnóstico e tratamento precoces na redução do risco de desenvolvimento de cancro hepático e na redução da incidência de problemas de saúde associados à hepatite C.

Resultados a longo prazo após tratamento da hepatite C: reversão de danos no fígado

As pessoas que não recebem o tratamento para a infeção pela hepatite C até terem desenvolvido fibrose avançada ou cirrose querem saber se existe um tratamento que possa reverter os danos hepáticos. É necessário acompanhamento a longo prazo de pessoas que curaram a infeção pela hepatite C de forma a responder a essa questão e prever quem terá maior probabilidade de beneficiar da mesma.

Um estudo com cem pessoas com cirrose que curaram a infeção pela hepatite C com tratamento antirretroviral de ação direta em hospitais dos Estados Unidos concluiu que 69% das pessoas com fibrose avançada e 55% das pessoas com cirrose tiveram uma melhoria na saúde do seu fígado através de uma análise com o Fibroscan (usando elastografia transitória, semelhante a um ultrassom). No geral, apenas 6% das pessoas sentiram um aumento dos danos hepáticos após a cura da infeção pela hepatite C. O tempo médio para melhoria foi de 2,5 anos em pessoas com fibrose avançada e 3 anos para pessoas com cirrose, o que indica que aqueles com danos hepáticos menos severos poderão melhorar mais rapidamente. No estudo, os investigadores identificaram poucos factores que podem prever a melhoria ou agravar da fibrose. Diabetes e varizes foram associadas a uma menor probabilidade de melhoria da fibrose.

Tratamento da infeção pela hepatite C em pessoas que usam drogas por via injetada

O vírus da hepatite C (VHC) é facilmente transmitido através da partilha de material de injeção e as pessoas que usam ou já usaram drogas por via injetada têm elevadas taxas de infeção (50 a 80% em alguns estudos). Muitos médicos e seguradoras ainda consideram as pessoas que usam drogas por via injetada más candidatas a tratamento e as pessoas com consumos ativos têm sido excluídas da maioria dos ensaios com os novos agentes antivirais de ação direta.

No estudo C-EDGE CO-STAR, a coformulação de grazoprevir/elbasvir da Merck curou a infeção pela hepatite C em 92% das pessoas que usam drogas por via injetada e que estavam sob terapêutica de substituição opiácea. Os participantes mantiveram uma boa adesão e tiveram elevadas taxas de cura, apesar de muitos continuarem a usar drogas ilícitas.

“A segurança e elevada eficácia demonstraram de forma convincente os benefícios do tratamento da infeção pelo VHC nesta população”, afirmou Dr. Greg Dore do Kirby Institute da da Universidade de New South Wales, na Austrália. “Esta evidência deveria melhorar o acesso às novas terapêuticas para a infeção pelo VHC, incluindo a eliminação das restrições ao acesso baseadas no uso de drogas ilícitas. Este estudo fornece garantias aos profissionais de saúde preocupados com a possibilidade de os seus doentes que usam drogas ilícitas não aderirem ao tratamento crónico para o VHC”.

Tratamento para o genótipo 3

Se comparada com outros genótipos, a infeção com o genótipo 3 está associada a um risco aumentado de progressão de fibrose e cancro hepático (carcinoma hepatocelular), tornando a disponibilização de opções de tratamento comportáveis e eficazes para as pessoas com a infeção pela hepatite C com genótipo 3 uma necessidade importante.

A infeção pela hepatite C com genótipo 3 é mais difícil de curar que as infeções com outros genótipos, necessitando de um tratamento mais longo com a maioria dos regimes terapêuticos. O único regime de 12 semanas livre de interferão para o tratamento das infeções com genótipo 3 aprovado atualmente consiste em daclatasvir (Daklinza®) e sofosbuvir (Sovaldi®). Estima-se que quase 30% das infeções pela hepatite C em todo o mundo sejam pelo genótipo 3, existindo uma particular concentração no subcontinente indiano e entre as populações de origem sul asiática. O genótipo 3 também se encontra presente na Federação Russa, Escandinávia, Tailândia, Brasil e Austrália.

As conclusões apresentadas na Reunião Sobre o Fígado demonstraram que a combinação de daclatasvir (Daklinza®) e sofosbuvir é altamente eficaz no tratamento da infeção pelo genótipo 3.

O ensaio ALLY-3+, um estudo pós marketing conduzido com pessoas com fibrose avançada (estadio F3) ou cirrose compensada, demonstrou que a combinação de daclatasvir, sofosbuvir e ribavirina curou 88% das pessoas tratadas em 12 semanas e 92% das pessoas tratadas em 16 semanas. Os relatórios de dois programas de acesso compassivo na Alemanha e França, demonstraram boas taxas de cura em pessoas com cirrose compensada e nos pequenos grupos de pessoas com cirrose descompensada tratadas através destes programas. O estudo de coorte alemão não encontrou diferenças nas respostas daqueles que receberam ribavirina e aqueles que não a receberam.

Vários estudos apresentados na Reunião Sobre o Fígado demonstraram que os novos regimes experimentais também conseguiram elevadas taxas de cura em pessoas com a infeção pelo genótipo 3, sem ribavirina.

A AbbVie apresentou resultados de um estudo de fase 2 com um novo regime de dois medicamentos livre de interferão. O ABT-493 é um inibidor da protease VHC NS3/4A ativo contra todos os genótipos da hepatite C. O ABT-530 é um inibidor NS5A também ativo contra todos os genótipos do VHC. Ambos os agentes são ativos contra as variantes comuns que conferem resistência aos agentes de primeira geração das suas classes. O estudo recrutou pessoas que não tinham feito o tratamento anteriormente ou pessoas que tiveram respostas nulas ao interferão peguilado e ribavirina, sem evidências de cirrose. A combinação curou 93 a 97% das pessoas com a infeção pela hepatite C de genótipo 3 depois de um tratamento de 12 semanas.

A Gilead apresentou resultados do estudo de 12 semanas ASTRAL-3. A coformulação do sofosbuvir (Solvaldi®) e do inibidor pangenotípico VHC NS5A velpatasvir produziu uma resposta sustentada em 95% daqueles com genótipo 3 neste estudo. Cerca de um quarto dos participantes tinham feito o tratamento anteriormente e 30% tinham cirrose.

A Gilead apresentou também os resultados de um estudo no qual um terceiro agente, o inibidor da protease vedroprevir, foi adicionado ao sofosbuvir e ao velpatasvir. O tratamento com este regime durou entre 6 a 8 semanas. No grupo com genótipo 3 deste estudo de fase 2, a taxa de SVR12 era de 83% na coorte de pessoas naïve para o tratamento com cirrose que foram tratadas ao longo de 6 semanas. Na coorte de pessoas com cirrose, que tinham feito o tratamento anteriormente e tratadas ao longo de 8 semanas, 100% atingiram SVR12.

Novos medicamentos: combinações de tratamento pangenotipicas

Um tratamento pangenotipico para a infeção para a hepatite C é uma combinação de medicamentos eficazes contra todos os genótipos da hepatite C. As combinações de tratamento pangenotipicas podem melhorar de várias formas o acesso ao tratamento. A disponibilização do mesmo iria eliminar a necessidade de se realizar rastreios dispendiosos para concluir qual o genótipo de cada pessoa infetada antes de se iniciar o tratamento, reduzindo o custo total. Este tipo de tratamento também iria simplificar a disponibilização de tratamento em países com diversos genótipos entre a população de pessoas com a infeção pela hepatite C. Poderia ser prescrita uma única combinação para a maioria das pessoas que vivem com hepatite C, simplificando a oferta e procura dos medicamentos. Tratar um elevado número de pessoas com a mesma combinação iria também facilitar a negociação de preços mais baixos.

Várias companhias farmacêuticas estão a desenvolver novas combinações de tratamento pangenotipicas. Na Reunião Sobre o Fígado ouviram-se as conclusões de várias destas combinações, a primeira das quais poderá receber a aprovação para marketing na primeira metade de 2016.

A Gilead apresentou os resultados de quatro estudos ASTRAL que demonstram que a combinação de sofosbuvir e do inibidor pangenotipico VHC NS5A velpatasvir produziu uma resposta sustentada em 99% das pessoas com os genótipos 1, 2, 4, 5 e 6 da hepatite C e em 95% daqueles com genótipo 3, mais difícil de tratar.

Os quatro estudos de grandes dimensões trataram 1797 pessoas, incluindo 267 pessoas do estudo ASTRAL-4 sobre tratamento em pessoas com cirrose descompensada. O estudo ASTRAL-04 obteve taxas SVR12 de 83 e 86% entre as pessoas tratadas com sofosbuvir/velpatasvir ao longo de respetivamente 12 e 24 semanas, subindo para 94% para aqueles a quem também foi dada ribavirina. O efeito da inclusão da ribavirina foi mais pronunciado em pessoas com genótipo 3 e com cirrose descompensada: apenas 50% das pessoas que receberam sofosbuvir/velpatasvir atingiram SVR12, enquanto 85% eliminaram o vírus quando foi adicionada ribavirina ao seu tratamento.

Esta combinação coformulada foi submetida para aprovação de marketing nos Estados Unidos e União Europeia e será provavelmente aprovada na primeira metade de 2016.

A AbbVie apresentou resultados de estudos fase 2 sobre a sua combinação pangenotipica do ABT-493, um inibidor da protease VHC NS3/4A ativo contra todos os genótipos da hepatite C e ABT-530, um inibidor NS5A também ativo contra todos os genótipos do VHC. O estudo SURVEYOR-1 testou a combinação em pessoas com genótipo 1 e o estudo SURVEYOR -2 testou-a em pessoas com genótipos 2 e 3. Os estudos compararam várias doses, com e sem ribavirina. No SURVEYOR-1 a combinação curou entre 97 a 100% das pessoas sem cirrose. No SURVEYOR-2, a combinação curou entre 96 a 100% das pessoas com genótipo 2 e 93 a 97% das pessoas com genótipo 3. Em todos os casos, os participantes estiveram 12 semanas em tratamento. Os estudos de fase III terão início em breve e irão também testar a eficácia de um tratamento de 8 semanas.

Daclatasvir aprovado para Medicines Patent Pool

A Medicines Patent Pool (MPP) anunciou esta semana a sua primeira licença para um medicamento para a infeção pela hepatite C, assinando um acordo com a Bristol-Myers Squibb para o daclatasvir, um antiviral de ação direta que ajuda a tratar vários genótipos do vírus da hepatite C. A licença sem royalties irá permitir a produção de genéricos do daclatasvir para venda em 112 países de baixos e médios rendimentos, 76 dos quais são países classificados pelo Banco Mundial como tendo médios rendimentos. Quase dois terços de todas as pessoas que vivem com hepatite C em países de baixos e médios rendimentos residem em territórios cobertos por este acordo.

A licença permite que os produtores de genéricos desenvolvam combinações de dose fixa com outros antivirais de ação direta para criar potentes regimes pangenotipicos que tenham potencial para tratar todos os principais genótipos do VHC.

“A licença surge pouco depois da MPP ter anunciado a sua expansão para a área da hepatite C e estar a começar um diálogo de seis meses com grupos de doentes, sociedade civil e outros stakeholders sobre as melhores abordagens para melhorar o acesso a novas soluções que curem o VHC”, afirmou Greg Perry, Diretor Executivo da MPP. “Além disso, acreditamos que a licença tem em consideração as preocupações dos ativistas que têm feito campanha para que as inovações que podem salvar vidas, como o daclatasvir, cheguem a mais pessoas mais rapidamente”.

Sofosbuvir e bradicardia

Médicos franceses alertam para a possibilidade de o tratamento da infeção pela hepatite C com sofosbuvir poder, em alguns casos raros, estar associado à diminuição da frequência cardíaca. Numa carta para o New England Journal of Medicine foram reportados três casos “graves” de bradiarritmia, também conhecida como bradicardia. 

A bradicardia já tinha sido identificada como tendo potencial risco em pessoas que tomem sofosbuvir e amiodarona, um medicamento usado para o tratamento da arritmia cardíaca. Os relatos dos casos franceses são os primeiros a descrever episódios de bradicardia em pessoas que tomam sofosbuvir sem amiodarona. Os autores afirmam que, antes de prescrever sofosbuvir, os médicos devem procurar outros fatores de risco para a bradiarritmia e considerar a monitorização do ritmo cardíaco nas primeiras semanas de tratamento (todos os episódios reportados ocorreram nos primeiros dez dias de tratamento).

Relatório e recurso da Cimeira Mundial das Hepatites

Está agora disponível um relatório sobre a Cimeira Mundial das Hepatites, da autoria da NAM, e apresentações e webcast da cimeira.

Novo folheto informativo sobre tratamento para a hepatite C

Publicámos recentemente um folheto informativo sobre dois novos medicamentos usados no tratamento da infeção pela hepatite C: Viekirax (paritaprevir/ombitasvir/ritonavir) e Exviera (dasabuvir).

Este folheto vem juntar-se aos nossos outros seis folhetos sobre o tratamento da infeção pela hepatite C.

Os folhetos focam-se em medicamentos antivirais de ação direta e fornecem uma visão geral sobre o modo como funcionam, quem os pode tomar, como são tomados, que ensaios clínicos nos dão informações sobre a sua eficácia, efeitos secundários conhecidos e interações medicamentosas.

Os folhetos informativos estão disponíveis para consulta online e foram desenhados para serem impressos e partilhados.