Notícias do Congresso Internacional sobre o Fígado de 2017
A
reunião anual da Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL), também
conhecida como Congresso Internacional sobre o Fígado, teve lugar em Amesterdão, de 19 a 23 de
abril.
Poderá
encontrar mais informações sobre a reunião em infohep.org – alguns dos
destaques da conferência encontram-se abaixo.
Relatório Global sobre Hepatites da OMS - 2017
Novos
dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) estimam que 325 milhões de pessoas
em todo o mundo vivam com o vírus da hepatite B (VHB) crónico ou com a infeção
pelo vírus da hepatite C (VHC). O Relatório
Global sobre Hepatites da OMS (2017) indica que a larga maioria destas pessoas não
têm acesso ao rastreio e ao tratamento que poderá salvar as suas vidas.
Consequentemente, milhões de pessoas estão vulneráveis a progressão lenta para
doença hepática crónica, cancro e morte.
As
hepatites virais causaram 1,34 milhões de mortes em 2015, um número comparável
ao das mortes por tuberculose e pelo VIH. Mas enquanto a mortalidade por
tuberculose e pelo VIH tem vindo a diminuir, as mortes por hepatites virais estão
a aumentar.
Aproximadamente
1,75 milhões de pessoas foram infetadas pelo VHC em 2015, perfazendo assim 71
milhões de pessoas que vivem com hepatite C em todo o mundo. Este valor
representa uma redução substancial na estimativa global.
O
relatório nota que, em 2015, foram diagnosticadas apenas 9% de todas as
infeções pelo VHB e 20% das infeções pelo VHC. Uma fração ainda menor – 8% das
pessoas diagnosticadas com a infeção pelo VHB (1,7 milhões de pessoas) – estava
sob tratamento, e apenas 7% das pessoas diagnosticadas com a infeção pelo VHC (1,1
milhões de pessoas) tinham iniciado um tratamento eficaz na cura da infeção
naquele ano.
O Relatório Global sobre Hepatites da OMS (2017) demonstra que, apesar dos
desafios, alguns países estão a dar passos de sucesso para aumentar os seus
serviços na área das hepatites virais.
A China
conseguiu uma elevada cobertura (96%) para a dose da vacina para o VHB
administrada no nascimento, e atingiu em 2015 menos de 1% de prevalência da
infeção em crianças com menos de 5 anos de idade, um objetivo para o controlo
da infeção por VHB. A Mongólia melhorou a adesão ao tratamento para as
hepatites virais ao incluir os medicamentos para o VHB e VHC no Seguro de Saúde
Nacional, que cobre 98% da população do país. No Egito, a competição de
genéricos reduziu o preço de um tratamento de cura da infeção pela hepatite C
de três meses de 900$US em 2015 para menos de 200$US em 2016. No Paquistão o
mesmo tipo de tratamento custa atualmente 100$US.
A
melhoria do acesso à cura da hepatite C recebeu um impulso no final de março de
2017, quando a OMS pré-qualificou o componente ativo genérico do sofosbuvir.
Este passo irá permitir que mais países produzam medicamentos para as hepatites
a preços comportáveis.
Novas orientações clínicas para a hepatite B da EASL Painel da EASL sobre orientações clínicas no Congresso
Internacional do Fígado, 2017. Fotografia de Liz Highleyman,
hivandhepatitis.com
A
Associação Europeia para o Estudo do Fígado (EASL) apresentou a atualização das
orientações clínicas para a gestão da infeção pelo vírus da hepatite B (VHB) ,–
a primeira atualização desde 2012 - na passada semana em Amesterdão, durante uma
sessão especial do Congresso Internacional sobre o Fígado. As orientações incluem pela primeira vez o
tenofovir alafenamida e apresentam evidência sobre quando e como iniciar a
terapia antiviral.
A versão
atualizada reflete um melhor conhecimento da história natural da hepatite B. Os
especialistas reconhecem atualmente que, durante a chamada fase “tolerância
imunológica”, a doença hepática pode progredir e os doentes podem estar em
risco de cancro hepático.
As
orientações recomendam o tratamento para todas as pessoas com um ADN do VHB
superior a 2 000 IU/ml, ALT elevado e pelo menos inflamação do fígado
moderada ou fibrose. Além disso, as pessoas com cirrose devem iniciar o
tratamento independentemente da sua carga viral (se for detetável) ou nível
ALT, enquanto aqueles com um elevado ADN do VHB (> 200 000 IU/ml) e ALT
elevada deverão iniciar o tratamento independentemente do estadio de fibrose.
As
orientações indicam que o tratamento ideal deve ser um nucleósido
potente/nucleótido análogo com elevada barreira à resistência. Entre estes
incluem-se o entecavir (Baraclude®), tenofovir disoproxil fumarato (TDF, comercializado como Viread®) e tenofovir alafenamida (TAF, comercializado
como Vemlidy®).
Critérios para reembolso do VHC na Europa De acordo com uma investigação
apresentada no Congresso Internacional sobre o Fígado, em Amesterdão, a Inglaterra, Malta,
Eslováquia, Hungria e Croácia têm as mais fortes restrições sobre quem pode fazer
o tratamento com antivirais de ação direta (AAD) para a infeção pela hepatite
C, enquanto França, Irlanda, Portugal, Alemanha, Polónia e Holanda são os
países com menos restrições. O estudo avaliou o acesso no Espaço Económico
Europeu (que inclui a União Europeia, Suíça, Noruega e Islândia).
Os
investigadores analisaram as políticas nacionais entre novembro de 2016 e
fevereiro de 2017 com o objetivo de verificar se os doentes eram elegíveis para
receber o tratamento com as combinações de antivirais de ação direta
recomendadas pelas orientações da EASL para o tratamento para a hepatite C em
2016 (todos os fármacos atualmente aprovados na União Europeia, mais as
combinações de sofosbuvir e daclatasvir e sofosbuvir e simeprevir).
Avaliaram
também se existiam restrições quanto ao acesso ao tratamento em pessoas que
consumiam drogas ou álcool, pessoas coinfetadas pelo VIH ou por tipo de
prescritor.
As
restrições quanto às drogas e álcool são comuns na Europa Central. A Bulgária,
Croácia, Hungria, Polónia e Eslováquia colocam restrições no acesso ao
tratamento para a hepatite C a pessoas com consumos ativos de drogas ou álcool,
algo que também ocorre no Chipre.
Antivirais de ação direta e risco de cancro hepático Gregory Dore no Congresso Internacional sobre o Fígado,
2017. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com
De acordo com um conjunto de estudos
apresentados em Amesterdão no Congresso Internacional sobre o Fígado, as pessoas com hepatite C que estão sob
tratamento com antivirais de ação direta (AAD) não aparentam ter um risco mais
elevado de desenvolver cancro hepático, se comparadas com as pessoas tratadas
com interferão, e as taxas aparentemente mais elevadas que foram observadas em
alguns estudos podem ser atribuídas a fatores de risco, como idade avançada ou
doença hepática em estadio mais avançado.
Na
reunião da EASL do ano passado, os investigadores apresentaram os primeiros dados que sugeriam que as pessoas que atingem uma
resposta sustentada com AAD poderão estar em situação de maior risco de
desenvolver cancro hepático. Investigadores italianos afirmaram que os doentes
com hepatite C com cirrose e que foram tratados com AAD tinham uma maior
probabilidade de desenvolver cancro hepático, mas tal estava limitado ao
reaparecimento entre pessoas com historial prévio de carcinoma hepatocelular (CHC),
o tipo de cancro hepático mais comum. Um estudo espanhol publicado na edição de outubro de 2016
do Journal of Hepatology também observou uma taxa de reaparecimento de
CHC superior à esperada.
No
sentido contrário, um estudo apresentado em novembro na Reunião Sobre o Fígado
da American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD), concluiu que o
tratamento com AAD não estava associado a um maior risco de CHC numa coorte no norte de Itália. Contudo,
existia evidência de que, se as pessoas tratadas com os novos medicamentos
desenvolverem CHC, poderão experienciar uma progressão do tumor mais
agressiva.
Gregory
Dore, do Kirby Institute da University of New South Wales, apresentou os
resultados de uma avaliação sistemática e de uma meta-análise de mais de 40
estudos sobre o início ou ressurgimento de CHC após tratamento com AAD.
Em
média, as pessoas tratadas com AAD e que desenvolveram cancro hepático pela
primeira vez eram mais velhas que as tratadas com interferão (60 vs. 52 anos).
A diferença etária era menos acentuada entre pessoas com ressurgimento de CHC
(64 vs. 66 anos, respetivamente).
As
pessoas que foram tratadas com AAD também tinham doença hepática num estadio
mais avançado.
Tendo em
conta estas diferenças, a meta análise não encontrou uma diferença
significativa no risco de desenvolvimento de cancro hepático entre pessoas
tratadas com AAD e pessoas tratadas com regimes baseados em interferão.
Os novos
estudos de França, China, Japão e Escócia apresentados na reunião também não
encontraram um maior risco de cancro hepático.
Porém, os
investigadores espanhóis relataram ter observado uma maior taxa de
ressurgimento de cancro hepático entre pessoas que tinham feito o tratamento
com AAD.
Se
observadas em conjunto, estas conclusões sublinham a necessidade de uma
monitorização contínua de pessoas que tinham cirrose antes de iniciarem o
tratamento para a hepatite C e de pessoas com um historial de CHC – mesmo após
a cura da hepatite C – e também de apoio a um tratamento precoce com AAD antes
do desenvolvimento de doença hepática avançada.
Combinação da AbbVie
Xavier Forns no Congresso Internacional sobre o Fígado,
2017. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com
Os
resultados de dois estudos de fase III com a combinação do antiviral de ação
direta (AAD) de segunda geração da AbbVie, apresentados no Congresso
Internacional sobre o Fígado, demonstraram que esta é altamente eficaz em
pessoas tradicionalmente consideradas difíceis de tratar.
A
combinação consiste num inibidor da protease e de um inibidor do NS5A. O
glecaprevir é um inibidor da protease NS3/4A ativo contra todos os genótipos do
vírus da hepatite C (VHC). O pibrentasvir é um inibidor NS5A também ativo
contra todos os genótipos do VHC.
Um estudo conduzido entre pessoas infetadas com o genótipo 3 e sem cirrose concluiu que a combinação curou
95% das pessoas após 8 ou 12 semanas de tratamento e 12 semanas de tratamento
com glecaprevir/pibrentasvir corresponderam à taxa de cura obtida com sofosbuvir/daclatasvir.
Um outro
estudo conduzido entre pessoas com cirrose e
infetadas com os genótipos 1 a 6 (mas excluindo o genótipo 3), apresentou uma
taxa de cura de 99% após 12 semanas de tratamento.
Espera-se
que a combinação obtenha licença para comercialização nos Estados Unidos da
América e na União Europeia no final deste ano.
Tratamento para o VHC reduz risco cardiovascular A infeção pelo vírus da hepatite C aumenta o
risco de doença cardiovascular – episódios como ataque cardíaco, acidente vascular cerebral,
doença arterial periférica e insuficiência cardíaca – sobretudo entre pessoas
mais velhas e entre pessoas com diabetes e hipertensão arterial. Porém, até
agora tem sido menos claro se o tratamento para a hepatite C e uma resposta
virológica sustentada após o tratamento afetam o risco de doenças
cardiovasculares.
Um
estudo francês de grandes dimensões, apresentado no Congresso Internacional sobre o
Fígado, em Amesterdão, indica agora que a cura da hepatite C reduz o risco de
episódios cardiovasculares entre pessoas com cirrose compensada.
O estudo
francês observou pessoas com cirrose em fase inicial que foram seguidas em
média durante cinco anos. Ter uma resposta virológica sustentada (RVS) ao
tratamento durante o período de acompanhamento reduzir o risco de episódios
cardiovasculares em 65%. Esta redução do risco começou a tornar-se aparente após
três anos de acompanhamento e era muito pronunciada após seis anos.
Ao
apresentar as conclusões, Patrice Cacoub do Hospital Pitié-Salpêtrière, em
Paris, salientou a importância de pensarmos a hepatite C como uma doença
sistémica que afeta o coração, rins, vasos sanguíneos, o cérebro e o
metabolismo da glucose através de mecanismos que ainda não são totalmente
compreendidos. A hepatite C também está associada a um aumento do risco de
cancros não hepáticos, sobretudo o de linfoma não-Hodgkin.
Doença de Parkinson e hepatites Um estudo de coorte entre 1999 e 2011 concluiu que, em Inglaterra, a doença de Parkinson é
mais comum entre pessoas com hepatite B e C do que entre a população geral. Os
investigadores afirmam ser improvável que o aumento do risco se deva aos
medicamentos usados no tratamento ou à cirrose.
Estatinas reduzem o risco de descompensação O
tratamento com estatinas reduz o risco de descompensação hepática em pessoas
com cirrose causada pelos vírus da hepatite B (VHB) e hepatite C (VHC), de
acordo com um relatório de investigadores de Taiwan na edição
online da Hepatology. O tratamento também reduziu de forma modesta
o risco de doença descompensada entre pessoas com cirrose relacionada com
álcool.
Profilaxia com antibióticos reduz mortalidade relacionada com cirrose descompensada
Richard Moreau no Congresso Internacional do Fígado,
2017. Fotografia de Liz Highleyman, hivandhepatitis.com
De acordo com um ensaio randomizado francês , apresentado no Congresso Internacional sobre
o Fígado em Amesterdão, a profilaxia a longo prazo com o antibiótico
norfloxacina reduziu significativamente a incidência de mortes em pessoas com
cirrose descompensada ao longo de seis meses de seguimento.
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